Insolente, desbocado e despreocupadamente incorreto. Assim é Deadpool, a produção que chegou aos cinemas na última quinta-feira (11). O longa conta a história de Wade Wilson (Ryan Reinolds), o típico ex-soldado das forças especiais que ganha a vida como um mercenário de bom coração. Wilson vive tranquilo com sua namorada Vanessa (a brasileira Morena Baccarin) até descobrir um câncer que já se espalhou por diversas partes do corpo.
A chance de redenção vem de um tratamento ministrado por uma organização criminosa, que induz humanos normais a se tornarem mutantes. Resultado: Wade Wilson ganha um fator de cura que regenera seu corpo instantaneamente de qualquer ferimento – e, claro, dá cabo do câncer –, agilidade e reflexos sobre-humanos. Mas deixa-o totalmente desfigurado no processo.
O mercenário, então, foge do laboratório, adota um traje vermelho e preto e, sob a máscara de Deadpool, parte em busca de vingança contra seus captores deixando um rastro de corpos e muito humor negro pelo caminho. A essa altura, os bandidos – obviamente – já encontraram e raptaram Vanessa. Mas Wilson não está sozinho e irá contar com a inusitada ajuda dos X-Men Colossus, feito em computação gráfica e dublado por Stefan Kapicic e Negasonic Teenage Warhead (Brianna Hildebrand) para resgatar sua amada.
Não escapa ninguém
O plot é clichê. Eu sei, você sabe e os produtores também sabem. E – pasme – o personagem também. Essa é a genialidade em Deadpool. O Mercenário Tagarela interrompe a narrativa o tempo todo para se colocar no lugar do espectador, quebrando a famosa quarta parede.
E se Wade Wilson é um combatente implacável nas sequências de ação, sua língua igualmente mortal nos brinda com algumas das melhores falas já escritas ao escrachar deliberadamente a produção, o universo dos super-heróis e até a própria indústria do cinema como um todo. Desde a abertura até a impagável cena pós-créditos finais.
Ninguém é poupado pelo roteiro e a cada momento somos surpreendidos por referências mostrando que nada foi esquecido. Nem mesmo os fracassos prévios de Ryan Reynolds em suas duas incursões pelo universo dos super-heróis. Portanto, espere – ótimas – piadas com Lanterna Verde e o próprio e irreconhecível Deadpool de X-Men Origins: Wolverine.
Easter Eggs de outros filmes da Marvel estão lá, ainda que sutilmente, pois a luta final é realizada em um porta-aviões aéreo sucateado. E explicitamente, já que uma das falas da cena final o personagem pergunta ao público se eles estão esperando Samuel L. Jackson aparecer de tapa-olho. Impossível não rir.
Fidelidade máxima
Fazer cinema de super-heróis ficou difícil depois que a Marvel firmou o pé como estúdio. Tramas bastante enraizadas nos gibis e um universo próprio e compartilhado por diversos filmes deixaram o público exigente e crítico.
E depois de um sofrível reboot de Quarteto Fantástico e outros equívocos mostrados em longas dos X-Men e nos dois solos do Wolverine, Deadpool é a prova de que a Fox finalmente entendeu o recado. Um filme adulto, que respeita a mitologia do personagem e o mostra fazendo na telona exatamente o que faz no gibi: mutilando e baleando vilões bizarros e com piadas de gosto duvidoso, feitas em cima da história, do universo das HQs em si e até do próprio leitor.
Tanta zoeira desenfreada passa a impressão de que Deadpool não deu trabalho para ser feito. Ledo engano. Além do cuidado para que as tiradas exercessem o impacto cômico no tempo certo, a presença de Colossus mostra o quanto a lição de casa foi bem feita pela produção. A dublagem de Stefan Kapicic é carregada no sotaque russo. Algo que foi ignorado em todos os filmes dos X-Men no qual o personagem apareceu até hoje. Ponto para os roteiristas Rhett Reese e Paul Wernick e para o diretor Tim Miller.
A violência explícita e as cenas de nudez e sexo fizeram com que Deadpool recebesse uma censura 18 anos nos Estados Unidos e 16 anos no Brasil. A decisão não poderia ter sido mais acertada, uma vez que todos estes elementos adultos contribuem para a sustentação do personagem.
Com isso, a história de Wade Wilson abre um precedente antes ignorado pela indústria: o de que adultos também leem quadrinhos e consomem personagens mais densos. E estes, por sua vez merecem ser retratados à altura no cinema. A sequência do Mercenário Tagarela já está garantida pelo estúdio, claro, todavia o importante é que a receita deu certo.
E, no fim, talvez essa seja a maior piada de Deadpool: ser justamente ele quem mudou a maneira de como se faz filmes baseados em quadrinhos. E você pode apreciar esse momento do melhor lugar possível e ainda comendo pipoca. Então, deixe as crianças em casa e corra para o cinema!