13 de fevereiro de 2013

O lado bom da vida


Eu já ouvi, e li, um monte de gente dizendo que se decepcionou com o novo longa do David O. Russell. Tudo bem que em época de Oscar quando se fala muito de um filme a gente tende a imaginar milhares de coisas e quase sempre não acerta. Concordo com os que dizem que o "O lado bom da vida" (Silver linings playbook, EUA 2012) é uma produção fora dos padrões do carequinha. Mas discordo solenemente com os que se dizem frustrados com o filme.


Em meio a longas que se apoiam em fatos históricos, que narram grandes personalidades, revoluções, manobras políticas etc, temos O lado bom da vida, que se baseia em inesperadas segundas chances. Na minha visão um assunto bem propício para tempos tão desacreditados.

Pat Solatano (Bradley Cooper) é um cara que perdeu tudo depois de um ataque de raiva. Ficou um tempo em um manicômio penitenciário e depois saiu, disposto a conquistar tudinho o que ele perdeu. Volta para a casa dos pais e começa a por em prática sua atitude positiva. O problema é que Pat parece um cara bom de verdade sabe, tem até um "Q" infantil em acreditar que a vida pode ser mesmo positiva, basta a gente querer. Talvez um cara que não está preparado para encarar a vida como ela é, nem sempre positiva por mais que a gente queira.

Do outro lado tempos Tiffany (Jennifer Lawrence), uma mocinha meio agressiva que também passa um período reclusa depois da morte inesperada do marido. Os dois se cruzam e meio que sem querer, estabelecem um pacto de benefício mútuo. Ela o ajudará a reconquistar sua esposa mas sob a condição de ele a ajudar em uma tarefa incomum.

A partir daí temos uma história até previsível em certos momentos mas que não compromete em nada o desenrolar do longa. Na verdade algumas vezes dá até um certo charme. A medida em que Pat se reconhece cada vez mais em seu pai (o impagável Robert De Niro), um viciado em jogos, proibido de frequentar estádios por má conduta, mais ele tenta se libertar de algumas atitudes. Já Tiffany tem dificuldades em aceitar que a sociedade sempre se lembrará de você por seu erros, não importa quais situações tenham te levado a eles. 

Em alguns momentos tive a impressão de já ter visto essa história. Muita coisa acontece e te deixa com a sensação maravilhosa do "eu sabia". Daí você me pergunta "putz, mas vou ver um romance sessão da tarde então", e eu respondo que não! Não, não é mais um romance sessão da tarde. É uma história que trata um tema sério de uma maneira gostosa. É um roteiro que te cativa e te envolve sem sombra de dúvida. É um casal protagonista com uma química perfeita e um time de coadjuvantes de tirar o chapéu. Ah, e tem o Chris Tucker né, sempre hilário!

É uma direção bem conduzida, que não deixou o roteiro simples cair na mesmice. São boas tiradas e diálogos marcantes. São frases com certeza inesquecíveis em sua maioria. è um fôlego de esperança pra quem busca levar a vida de maneira mais leve, sem entrar na loucura da nossa rotina.

Eu gosto quando um filme consegue me deixar com vários assuntos em pauta na cabeça. No começo eu me peguei "criticando" o moço Pat por tentar tanto mostrar para a ex-mulher, a família e aos amigos que ele era um cara diferente. Botando uma banca de mudado, tentando várias peripécias para conquistar a turma e, logo depois, me perguntei: "quem nunca"? 

Quem nunca se pegou bolando planos para criar uma imagem, mesmo que isso exigisse fechar os olhos para partes importantes da gente. Quem nunca se decepcionou com a crueldade dos outros, com a crítica (sua e dos outros), com a dificuldade em manter a fé seja em que for, enfim, com a vida cotidiana.

Não sei dizer a razão pela qual esse filme recebeu tantas indicações. Seus protagonistas estão no páreo para melhores atriz e ator, o diretor está na disputa, assim como o filme, e por aí vai. Fiquei pensando nisso quando assisti. De maneira alguma é um filme ruim, pelo contrário, mas como disse no início, fora dos padrões da Academia.

Sei lá, não adianta eu ficar aqui louvando as qualidades técnicas do filme. São ótimas, com certeza. Mas se hoje alguém me perguntar porque deve ir ver esse longa eu serei super piegas : "porque te dá um vislumbre do lado bom da vida".

Afinal, já diria De Niro "Você tem que prestar atenção aos sinais. Quando a vida lhe dá um momento assim, é pecado não aproveitar".

Vá ver e depois me conte!
beijo

4 de fevereiro de 2013

Os Miseráveis

"I had a dream my life would be, so different from this hell I´m living. So different now from what it seems. Now life has killed the dream, I dreamed". Em uma das milhares de sequencias emocionantes de  Os Miseráveis (Les Misérables, 2012), Anne Hathaway canta a fragilidade de Fantine, uma prostituta que depois de ser demitida da tecelagem onde trabalhava, vende seus cabelos, seus dentes, seu corpo e seu orgulho para sustentar a filha, Cosette, que é criada por um casal.

Como há muito eu não via, Os Miseráveis é um musical com "M" maiúsculo. São quase três horas de filme sem diálogos, só melodias. Dores cantadas, sentimentos expressados pela música, tudo muito bem arranjado. O longa é uma história de redenção, de esperança, fé, sonhos. Muitas premissas louváveis em uma França que tratava seus nativos como lixo. Uma monarquia que fechava os olhos para os problemas sociais, quase um lixo à céu aberto.

Jean Valjean (Hugh Jackman) é preso por roubar um pão para alimentar sua irmã e sobrinho que estavam famintos. É preso, passa 19 anos sob custódia da lei e, quando liberto, é declarado pela lei como um homem perigoso. Saí de lá cheio de ódio. E ganha uma nova chance através de um bondoso padre. tem início a redenção de Valjean.

Nessa nova jornada trilhada por Valjean aparece Fantine (Hathaway) que marca o caminho do ex-Wolverine para sempre. Desamparada, Fantine é a responsável pela segunda redenção de Valjean que, ao tomar para si a responsabilidade de criar sua filha, acaba reencontrando o amor e a compaixão.

Anos depois Cosette (Amanda Seyfried), agora filha de Valjean, ameaça sua planejada vida ao se apaixonar pelo joven revolucionário Marius (Eddie Redmayne). Tem início uma nova trilha pela redenção.

Aos mais críticos, a história de "Os Miseráveis" pode parecer absurda. Afinal, reza a lenda que em um dia qualquer o escritor francês Victor Hugo vagava pelas ruas de Paris no século XIX quando se deu conta do abismo social ditado pelas classes. Ao registrar o ódio nos olhos de um homem pobre que observava atentamente enquanto um nobre descia de sua carruagem, percebeu que a questão das classes não era apenas uma divisão. Para sustentar o luxo de alguns, milhares de cidadãos eram condenados ao lixo.

Trinta anos depois dessa memorável troca de olhares, em abril de 1862 Os Miseráveis é publicado. Foi sucesso de vendas e ganhou muitas adaptações de lá pra cá.

Com uma confiança digna de quem acabou de ganhar um Oscar por "O Discurso do Rei", Tom Hooper chamou para si a responsa de levar para a telona essa densa história. Uma das coisas mais legais é que os atores realmente cantaram. Não houve uso de playback. Eles usavam um ponto eletrônico onde podiam ouvir a melodia de suas canções. O moço foi tão cuidado que por vezes dá pra pensar que ele via o filme como uma ferramenta de pintura. Várias vezes a gente vê um cenário com gente com a mesma cor de roupa e uma pessoa se destaca. Na tecelagem todas as funcionárias em um azul sóbrio e Anne com um rosa vívido. Nas ruas de Paris a cavalaria real chegando com tudo e um rebelde com uma capa vermelha, símbolo máximo da resistência. Um delírio!

Isso dá mais dignidade aos 158 minutos do filme. Ouso dizer que há até momentos desafinados tamanha a emoção transmitida nas canções, bem diferente das milimetricamente ensaiadas versões para a Broadway.

Tirei o chapéu (e os lenços de papel da bolsa) para Hugh Jackman. Definitivamente o papel divisor de águas em sua carreira. Anne Hathaway trouxe a fragilidade necessária para Fantine além de uma carga de emoção assombrosa. Amanda e Eddie formam sim um casal ternura mas se encaixam tão bem, e mandam tão bem, que nem consigo pensar em outra dupla agora.

Destaque também para Sacha Baron Cohen e Helena Boham Carter, responsáveis pelas sequencias mais engraçadas e refrescantes do longa. Seria injusto não citar os mirins Isabelle Allen (Cosette criança) e Daniel Huttlestone (Gavroche), os dois pequenos que me arrancaram litros dos olhos. Eponine, minha personagem predileta, interpretada com maestria e emoção por Samantha Barks não pode ser deixada de lado.

Aviso, no entanto, que se trata de um longa para quem aprecia musicais. Quem vai ao cinema esperando ver algo superficial, com duas ou três canções, vai se arrepender. Como disse são quase três horas de filme, que passa por momentos cansativos eu confesso (em determinado momento seus ouvidos vão implorar por um diálogo falado) mas isso não compromete a magistral obra de Hooper. Minha única observação: O Russel Crowe ganhou tempo demais cantando.... do elenco todo é o último da minha lista :) 

Me critiquem mas o que mais encanta nessa história é a atemporalidade dos temas abordados por Hugo. Ainda mais se pensarmos no cenário caótico no qual vivemos hoje. A paixão pela justiça, as convicções, o romantismo em relação à igualdade, tudo isso desperta na gente uma vontade pueril de lutar por algo, de levantar uma bandeira, de morrer por uma causa. Mas isso sou eu né minha gente, minha humilde opinião.

Minha recomendação? corra agora para a sala mais próxima. não se esqueça de muitos lenços de papel e até um paramédico se der pra levar. Não vou nem entrar no mérito da trilha sonora, das letras prá lá de profundas e ideológicas do filme.Já diria Galvão Bueno: "É teste pra cardíaco amigo".

beijos